terça-feira, 16 de dezembro de 2014

O Tempo e as Lendas

A grande notícia esportiva desse final de ano, sem dúvidas, é esta: “Kobe Bryant supera Michael Jordan em número de pontos marcados ao longo da carreira”. Mas o que exatamente isso significa?


Pode não parecer nada: Bryant não bateu nenhum recorde da NBA: ele apenas assumiu a terceira posição dentre os principais pontuadores de todos os tempos. Para que ele chegue ao recorde – do lendário Kareem Abdul-Jabbar –, faltam ainda 6 mil pontos.

Além de não se tratar exatamente de uma marca histórica (afinal, outros dois jogadores já haviam atingido essa pontuação antes), outro aspecto que faz essa conquista de Bryant parecer menor é o fato de tais números terem sido atingidos em contextos completamente diferentes.

E aqui não se estabelece quem teve mais dificuldades: Jordan conquistou muitos pontos em um período em que a Liga passava pela chamada expansão, quando muitos novos times passaram a figurar no campeonato – algo como a promoção de divisões, no futebol – e teve 3 temporadas nas quais a linha de 3 pontos foi diminuída: em 1994-95, 95-96 e 96-97 a linha de três pontos passou de 7,24 metros para 6,71 metros.

Apenas para que se entenda: 6,75 é a medida da WNBA.

Coincidência ou não, foi nesses anos em que Michael Jordan teve seus maiores índices de acerto em toda sua carreira. E na temporada 1997-98, quando as medidas originais foram retomadas, MJ teve uma queda abrupta: chutou em 37,4% 96-97 e chutaria 23,8% em 97-98.

Por outro lado, Bryant disputou muito mais jogos e algumas temporadas a mais que Jordan para chegar à mesma pontuação. Kobe chegou à liga muito mais jovem (estreou aos 18, Jordan aos 21), e Além disso, são épocas bastante distintas, os companheiros de equipe são muito diferentes e também incomparáveis são os adversários que eles tiveram de bater.

Jordan teve duas aposentadorias (uma em 1993, outra em 1998) e ficou meses afastado por conta de um pé quebrado, em 1986. Kobe teve sua primeira grande lesão na carreira somente em 2013.

Mesmo pensando em todas essas pequenas observações, é uma façanha que, sim, precisa ser celebrada, afinal, Bryant está ultrapassando a marca de um homem que foi seu ídolo a vida toda e que, na opinião de muitos, foi o melhor da história desse esporte.

Recentemente, tanto Fernando Alonso quanto Lewis Hamilton, ambos bicampeões mundiais de Fórmula 1, disseram ansiar pelo terceiro título na categoria porque, antes de tudo, “essa foi a marca atingida por Ayrton Senna”. 

E quem não se lembra da reação de Michael Schumacher ao igualar o número de vitórias de Senna na Fórmula 1?


Bryant, ao comentar o feito, deu o tom de sua emoção: “Eu estaria mentindo se dissesse que não significa nada” (Leia aqui a carta que ele escreveu). A ovação da torcida – Kobe estava na terra do adversário! – e os abraços e aplausos de todos os jogadores e comissão técnica de ambas as equipes dão ideia do significado da ocasião (algo semelhante havia acontecido, 11 anos atrás, quando Michael Jordan superou WIlt Chamberlain pela mesma terceira posição que Kobe lhe tomou). 

Muito mais que a marca em si, porém, esse é só mais um capítulo na interminável comparação entre Jordan e Bryant.
Se buscássemos entender o significado do “duelo” Jordan vs. Kobe em outros universos, seria mais ou menos como dizer que eles são Pelé e Maradona no futebol, ou Senna e Schumacher na Fórmula 1: atletas de épocas distintas mas que, de alguma forma, tiveram trajetórias bastante próximas e polarizaram fãs ao redor do planeta.

Ajudou, em todos os casos, a progressiva ação da mídia: Pelé, Senna e Jordan atuaram períodos com grande influência dos meios de comunicação de massa, mas num tempo em que a ação destes era mais limitada e, de certa forma, monopolizada. Maradona já surge numa época diferente (a mesma de Jordan e Senna, mas década e meia “mais jovem” que a de Pelé), enquanto que Schumacher e Bryant pegariam toda a transição e modelação do fenômeno internet.

Assim, há um embate: aqueles que acompanharam Pelé-Senna-Jordan tinham muito menor acesso ao universo que os cercava; nesse sentido, determinadas “verdades” tornam-se mais difíceis de serem contestadas. Já Kobe, Schumacher e Maradona atuaram em períodos onde foram muito mais vigiados, digamos.

Dessa forma, até mesmo os grandes feitos obtidos por cada um deles passaram a ser relativizados e vistos com um ceticismo irônico. Michael Jordan, em toda sua carreira, conseguiu como máxima pontuação em uma partida os 69 pontos contra o Cleveland Cavaliers, em 1990. 16 anos depois, diante do Toronto Raptors, Kobe Bryant atingiria absurdos 81 – a segunda maior em quase 70 anos de NBA.


Uma das marcas registradas de Michael Jordan, e parte daquilo que certamente povoa o imaginário de quem vê nele um jogador insuperável, foi sua incrível capacidade de marcar as cestas finais nas partidas, concedendo a vitória a seu time. Kobe teve o mesmo tipo de qualidade: inclusive, já marcou mais “game-winners” que Michael.

Kobe teve Shaq? Jordan teve Pippen – um grande jogador que, por sinal, é muito desvalorizado. Kobe e Jordan tiveram Phil Jackson como líderes. No fim, o que os diferencia é mesmo o número de títulos: Jordan 6, Kobe 5.

Finalizo com uma frase de ninguém menos que Magic Johnson: “Assim como nunca mais veremos um jogador como Michael Jordan, nunca mais veremos outro como Kobe Bryant”.


Respeito às duas lendas do esporte. E gratidão por ter visto a carreira destes dois monstros.

Marcel Pilatti

www.hermanosebrazucas.blogspot.com.br

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